ÁFRICA AUSTRAL: OS CICLOS DA MUDANÇA

A 55ª Assembleia Plenária do Fórum Parlamentar da SADC decorreu em Luanda, no Palácio das Leis, de 1 a 7 de julho de 2024. Este evento teve como lema “O papel dos parlamentos na promoção de políticas de energias renováveis na região da SADC e na criação de um mercado energético regional único”. Tratou-se de um acontecimento relevante, que demonstra a vontade dos Estados da região em prosseguir com os objetivos estratégicos da organização, alicerçados na história das várias etapas do processo de integração regional na África Austral. Neste pequeno trabalho de reflexão, procura-se analisar, não só a evolução desse processo na África Austral, mas também o alcance das diferentes etapas dessa evolução.
Numa perspectiva histórica, convém sublinhar que a luta vitoriosa dos povos da África Austral, oprimidos durante séculos por potências coloniais e neocoloniais europeias, impulsionou importantes transformações políticas, na década dos anos 70, 80 e 90 do século XX. A conquista da independência, da liberdade e da soberania nacional, incentivou o lançamento de novas estratégias de cooperação entre povos e Estados da região. Livres do jugo colonial, do sistema de segregação racial e das forças estrangeiras no território, o novo contexto regional estimulou a criação de mecanismos sólidos de desenvolvimento colectivo, nos domínios político, diplomático, econômico e cultural.
I. O CICLO DAS INDEPENDÊNCIAS
Neste primeiro ciclo de mudanças ocorridas de forma gradual, nas décadas acima referenciadas, surgiram novos Estados independentes na África Austral. Moçambique conquistou a sua independência em Junho de 1975, depois de muito anos de luta, conduzida por nacionalistas da FRELIMO . Em Novembro de 1975, Angola tornou-se independente de Portugal, depois de quatorze anos de luta, conduzida por movimentos nacionalistas da UPA/FNLA , do MPLA e da UNITA . O Zimbábue tornou-se independente do domínio britânico em 1980.
A Namíbia conquistou a sua independência da África do Sul em 1990, após um longo processo de luta liderado por nacionalistas da SWAPO . A independência da Namíbia foi um passo decisivo para a redução da influência do regime do apartheid na região. E por consequência, em 1994 ocorreu efectivamente o fim do regime do apartheid, ano da Independência da África do Sul, depois de longos anos de luta, conduzida por nacionalistas do ANC . Nesse mesmo ano, a África do Sul realizou as suas primeiras eleições multirraciais. Este processo marcou em definitivo o fim do regime de segregação racial, bem como o início de uma era democrática, sob liderança de Nelson Mandela. Novas instituições foram assim criadas, no plano interno dos novos Estados independentes. Formaram-se novos governos e, uns após outros, os novos Estados criaram os fundamentos de novas nações africanas.
II. O CICLO DA INTEGRAÇÃO E COOPERAÇÃO REGIONAL
O segundo ciclo de mudanças na África Austral começou com o fim do sistema de apartheid na Namíbia e na África do Sul, em simultâneo com a retirada dos contingentes cubanos e conselheiros soviéticos de Angola, em conformidade com a Resolução 435 das Nações Unidas. Este ciclo também testemunhou o princípio do fim dos sistemas de partido único na região e a consequente realização de eleições multipartidárias em Angola e em Moçambique, apesar dos conflitos cíclicos que persistiram por mais algum tempo.
Neste ciclo, os Estados tomaram decisões que contribuíram expressivamente, não só para a materialização do processo de integração econômica entre os países da região e a redução da dependência económica dos antigos colonizadores, mas também para a promoção do comércio intra-regional. Um dos momentos mais importantes desse ciclo foi a formação da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) em 1992, que representou um marco importante no contexto da cooperação econômica, entre os Estados da região.
Convém realçar, no entanto, que os países da Linha da Frente, ao adoptarem a declaração de Lusaka, decidiram em 1980, criar os fundamentos da Conferência de Coordenação para o Desenvolvimento da África Austral (SADCC). Os objetivos dessa organização regional eram duplos: reduzir a dependência econômica do regime sul-africano do apartheid e promover o desenvolvimento regional. Por conseguinte, a transição formal de conferência de coordenação, para comunidade de desenvolvimento, ocorreu no dia 17 de agosto de 1992, em Windhoek, Namíbia, com a assinatura do Tratado da SADC. Essa mudança teve como propósito fortalecer a cooperação e integração regional, promover a paz, a segurança e o desenvolvimento sustentável na África Austral. Os Países da Linha da Frente, muitos deles liderados na época por partidos marxistas, foram os principais impulsionadores dessa iniciativa, incluindo Angola, Botsuana, Lesoto, Moçambique, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. Alguns projectos coletivos de construção de infraestruturas foram implementados para melhorar as ligações e facilitar o comércio e a mobilidade na região.
Neste segundo ciclo, os países da região passaram a coordenar a sua política externa. Fortaleceram a tomada de posição conjunta nos fóruns internacionais para a defesa da paz e segurança regional. No plano regional, a SADC desenvolveu programas e políticas para facilitar a harmonização das políticas econômicas, com vista a criação de uma zona de livre comércio e de cooperação em áreas como agricultura, indústria e finanças. Concentrou, assim, os seus esforços na promoção de iniciativas de desenvolvimento sustentável. Promoveu o uso responsável dos recursos naturais, gestão ambiental, com vista a adaptação às mudanças climáticas.
III. O CICLO DO DECLÍNEO
O terceiro ciclo, o ciclo do declínio, refere-se às mudanças políticas e sociais que ocorrem na África Austral, onde se observa uma transformação significativa no panorama político. Este ciclo é caracterizado pelo declínio dos partidos marxistas no poder e pelo surgimento e fortalecimento dos antigos movimentos de libertação democráticos.
Na África do Sul, o ANC saiu fragilizado nas últimas eleições. Embora tenha conseguido várias conquistas, enfrentou nos últimos anos sérias dificuldades, incluindo escândalos de corrupção, problemas econômicos e uma crescente desilusão popular. Essa situação resultou na perda de apoio popular que conduziu ao seu enfraquecimento, agravado pelo surgimento de dissidências internas. Na base dos resultados das últimas eleições de 29 de Maio de 2024, e sem maioria absoluta no parlamento Sul Africano, o ANC viu-se obrigado a formar um governo de unidade nacional, com a inclusão da Aliança Democrática.
Em Moçambique, a FRELIMO adotou inicialmente uma orientação marxista-leninista, mas com o tempo, e após o colapso da União Soviética, passou a adotar políticas mais pragmáticas, sem alterar a matriz marxizante. Enfrentou uma guerra civil prolongada com a RENAMO e, mais recentemente, questões de corrupção e de má gestão governamental, contribuíram para uma perda considerável de popularidade. Consciente das suas fragilidades, o Presidente Nyusi desistiu das suas intenções de concorrer a um terceiro mandato.
Na Namíbia, a SWAPO também procurou impor a ideologia marxista, mas gradualmente mudou para políticas mais centristas sem alterar a sua matriz ideológica. Nos últimos anos, o partido tem enfrentado críticas por práticas de corrupção e autoritarismo, o que tem contribuído para o seu declínio.
Em Angola, o MPLA um dos três movimentos de libertação que lutou pela independência de Portugal, assumiu-se também como um movimento marxista-leninista. Por força dos acordos de Bicesse, assinados entre a UNITA e o governo da República Popular de Angola, o MPLA, partido que sustenta o governo, abraçou o multipartidarismo em 1991. Mantém-se desde então como partido Estado, autocrático, minado pela corrupção, nepotismo e má gestão, o que tem contribuído também para o seu declínio.
Em contrapartida observa-se a subida no poder dos movimentos democráticos na região, como ocorreu na Zâmbia e Malawi. No caso angolano, a UNITA, liderada por Jonas Savimbi durante a guerra colonial e a guerra civil , é um partido político com uma orientação democrática. Um dos princípios que a norteia, adoptado no momento da sua fundação, em Março de 1966, no Leste de Angola, refere a “ democracia assegurada pelo voto do povo, através de vários partidos políticos.” Após o fim da guerra civil em 2002, a UNITA consolidou os fundamentos democráticos da organização, e tem crescido em popularidade, apresentando-se como uma alternativa ao MPLA, não só no interior do país, mas também nos centros urbanos.
Em Moçambique, a RENAMO que surgiu como um movimento rebelde contra o governo da FRELIMO durante a guerra civil, transformou-se após a assinatura do Acordo de Paz de Roma em 1992, num partido político. Nos últimos anos, tem se afirmado como a principal força de oposição e alternativa à FRELIMO.
Neste terceiro ciclo de mudanças na África Austral, muitos partidos de libertação que adotaram o marxismo-leninismo enfrentaram desafios econômicos e sociais significativos, exacerbados pela queda da União Soviética e pela transição global para economias de mercado. Os governos desses partidos, promotores da corrupção e da má gestão estão em declínio, face ao descontentamento popular. Em contrapartida, aumentou a pressão para a democratização e o estabelecimento de sistemas políticos mais pluralistas, criando espaço para a afirmação dos antigos movimentos de libertação com tendências democráticas.
CONCLUSÃO
O ciclo de declínio dos partidos marxistas de libertação é uma realidade e é inquestionável a ascensão dos partidos democráticos de libertação, e dos novos movimentos e partidos democráticos nacionais. Esse processo reflete a evolução natural nas sociedades dos países da região, em busca de melhores práticas de governação e maior participação democrática, impulsionadas pelas novas gerações, de jovens partícipes da globalização.
A história da luta pela independência na África Austral foi complexa e multifacetada. E o atual cenário político, resultado de décadas de conflitos ciclicos regionais e nacionais, de transformações e adaptação às novas realidades socioeconômicas e políticas, tem contribuído significativamente para a afirmação e aprofundamento da democracia, da inclusão, da tolerância e da justiça social.
Alcides Sakala
Deputado
Membro da 3 ª Comissão da Assembleia Nacional.
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